sábado, 8 de dezembro de 2018

Férias de Verão

É certo que os tempos mudam. Mas as minhas lembranças das férias de verão (nas praias gaúchas) são as melhores do mundo. Quando criança, sabia que seriam quase três meses de brincadeiras e época de rever os primos e primas. Todos juntos, correndo para o mar, subindo e rolando nas dunas (ainda existem?) e carregando, com muito orgulho, o baldinho e a pazinha para fazer o maior castelo de areia. Ser enterrado vivo (só com a cabeça de fora) e não conseguir se livrar do peso da areia. Acordar cedo (forçado) para ver o nascer do sol e acompanhar o pai na pescaria de carretilha e o tio com a rede feiticeira. Caminhar na beira da praia e encher o baldinho de conchinhas. Descobrir a vida marinha, uma estrela do mar, as algas, um ouriço do mar, um peixe morto, um siri que mordeu o meu dedão e com o chute que dei para me livrar da dor, ver o siri voar por cima da minha cabeça. Ver a maré subindo e derretendo os nossos castelos de areia. Voltar para casa cedo, para não se queimar muito e para as mães poderem preparar o almoço da gurizada. Tomar banho de mangueira para não sujar a casa com a areia da praia. De tarde, ser forçado a dormir e acordar com os ambulantes que passavam vendendo de tudo (pães, bolachas, doces, picolés e casquinha). Comer bolos e sucos e frutas, em lanches preparados antes de voltarmos correndo para a praia. E, de noite, banho e janta e jogos de carta (rouba monte, tapa, rolha suja de fuligem na cara, dama e moinho). Às vezes, à luz de velas, pois faltava energia elétrica. Depois, uma cama coletiva para todas as crianças da família ocupando toda a sala e, com a luz apagada, as mães pedindo para acabarmos com a bagunça, pois todos seriam acordados cedo para repetir a rotina dos dias, a começar por assistir ao nascer do sol.

Porto Alegre/RS, 08 de dezembro de 2018.

domingo, 27 de março de 2016

A Escola da Democracia

O Brasil passa por um período de transição, de questionamentos, de renovação e, provavelmente, por uma “destruição criativa”, onde devemos superar os limites e as contenções existentes, de modo a alcançarmos um patamar superior de funcionamento da nossa democracia.

Mas esse processo de mudanças e de desconstrução deve ser entendido como um período de aprendizado e de reciclagem pessoal e social, onde devemos voltar à escola (poderia chamar de escola da democracia) para reaprendermos a pensar, para adotarmos novos modelos mentais e para reaprendermos a ser mais responsáveis, solidários, respeitosos, cooperativos. E, sobretudo, entendermos que somente pela reeducação e pelo intenso diálogo será possível ampliarmos as nossas possibilidades de fortalecimento da nossa novata democracia e de promovermos as esperadas melhorias sociais e econômicas na sociedade brasileira.

Com certeza, será um período de dificuldades, de muito ranger de dentes, de muita radicalização e de muita incompreensão. Mas, eu sou otimista. Nós temos que ser otimistas. E, posso garantir que não devemos temer as mudanças ou o futuro, pois estas irmãs-históricas são constantes e inevitáveis.

O momento é delicado e nebuloso, pois o futuro é incerto. Para criarmos um novo Brasil, precisamos de muito esforço, de muita compreensão e de muito diálogo. Entendo que alguns retrocessos já se consolidaram, por mérito da incompetência política-econômica-administrativa do governo federal (nesse momento, querer equilibrar as contas públicas com o aumento de impostos e ressuscitar a CPMF é um desaforo à sociedade). Entretanto, outros e maiores retrocessos sociais estão sendo planejados, projetados e podem, infelizmente, ser viabilizados. Vai depender dos próximos lances do xadrez político.

Eu acredito que, a partir da negação dos atuais partidos políticos, por parte expressiva da sociedade (principalmente do PT, por estar ocupando o Poder Executivo), e da constatação da corrupção como sendo o problema prioritário a ser equacionado e controlado, possamos construir os necessários consensos para organizarmos uma sociedade mais justa e democrática e onde haja uma necessária elevação da transparência dos gastos e da qualidade dos serviços públicos.

Estamos vivenciando um momento ímpar, de transformação e de transmutação (do ferro para o ouro ou, conforme outra crença, da água para o vinho) e o símbolo dessa mudança é a execração pública do Partido dos Trabalhadores ou, conforme outra religião, a crucificação de um Judas traidor (sic). Não que seja certo, ou justo, ou uma vingança, como me disse uma petista ortodoxa (que eu não acredito estivesse cega pela fé ou pelos dogmas ideológicos, mas desesperada pela ruína de um sonho, por ver esfareladas as suas certezas e justas convicções, acalentadas por um longo tempo de sua vida). Mas, acho que o PT fez por merecer, em função do partido ter exagerado na dose das mentiras e na traição da classe trabalhadora e de todos os ex-petistas, conforme exposto a seguir.

O PT chegou ao poder como uma esperança, como um raio de sol que iria desinfetar o país da corrupção, espantar o medo de sermos felizes e livrar a sociedade das suas enormes desigualdades sociais. O PT chegou ao trono do Poder Executivo para podermos construir uma nação livre da antiquada forma de se fazer política, dos conchavos e das articulações que só beneficiavam as elites e reforçavam a manutenção da atual e perniciosa aliança entre o capital e o Estado.

Para mim, a grande mentira do PT foi dita durante a campanha pela reeleição da presidente Dilma (em meados de 2014), quando afirmou que não iria reduzir nenhum dos direitos trabalhistas, “nem que a vaca tussa”. Entretanto, alguns meses depois, o governo cortou R$ 18 bilhões em benefícios do trabalhador, aumentou o tempo de trabalho para requerer o seguro-desemprego (com redução do valor do benefício), aumentou o prazo do pagamento do auxílio-doença e restringiu as solicitações de pensão por morte. Tudo isso, apesar de se intitular um partido dos trabalhadores e se proclamar como o único defensor dos frascos e dos comprimidos (rsrsrs), digo, dos fracos e oprimidos. Para mim, esse foi o crime mais grave, que alguns chamam de fraude eleitoral. Mas os crimes não começaram, nem acabaram, por aí.

Fomos enganados e os fantásticos e inflamados discursos se revelaram palavras escritas na areia, palavras ao vento, frutos do marketing político, elaborados para enganar os bobos e sem contemplar nenhuma possibilidade de atender às reais intenções de justiça e de redistribuição de renda da população.

O que a população escuta, vê e cheira é um governo e um partido que esqueceram das lutas dos trabalhadores, dos ideais socialistas e da construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

O que se sabe é que nunca na história deste país se viu tanta corrupção e tantos empreiteiros, banqueiros, políticos conservadores e empresários amigos do BNDES serem beneficiados de forma espúria e de tantos escândalos e enriquecimentos ilícitos nas hostes dos militantes petistas.

Era como se o flautista de Hamelin estivesse tocando o mantra do Maluf: “rouba, mas faz”, ou a sua tosca e hodierna adaptação petista: “rouba dos cofres públicos, mas ajuda os mais pobres, humildes e desvalidos”.

Um argumento forte, e aparentemente robusto, que poderia ser repetido pelos fanáticos fiéis de qualquer seita religiosa, mas que em sua essência é perturbador e profundamente falacioso, mentiroso e alienante, que tenta falsear a lógica e o bom senso e tenta dar justificação e legitimidade à corrupção, construída em proporções nunca antes vista neste país. E, onde deixava gravado na pedra que o PT acreditava que os princípios éticos e morais podem ser distorcidos e torturados, a fim de provar aos parvos que os fins justificam os meios.

Nunca, jamais, um sonho ou um nobre ideal, podem ser alcançados por intermédio do engodo, da constância e da veemência dos crimes contra a administração pública, contra a sociedade ou contra a humanidade. Crime é crime, e a justiça deve ser igual para todos.

A mentira e a corrupção escrachadas foram os pecados do PT, juntamente pelo afastamento de suas bases, a cooptação dos movimentos sociais (que propiciou a falta de crítica e da consequente e necessária autocrítica), do distanciamento dos problemas do dia-a-dia da população, da falta de diálogo e, principalmente, do discurso da radicalização, do “nós contra eles”, do insistente trabalho para cavar um fosso entre os brasileiros, pregando a discórdia e a dissensão.

Portanto, não há que se falar em “guinada ideológica” dos ex-petistas, mas, como bem disse um ministro do STF, da transformação de um partido de esquerda em uma organização criminosa.

Mas, o PT também errou, grosseiramente, por não ter entendido, lá em 2013, o significado das manifestações de rua que avisavam: “Não é pelo vinte centavos!”. A mensagem era clara e podia ser ouvida em claro e bom som. A sociedade gritava a sua mensagem, mas os políticos faziam ouvidos moucos de mercador e preferiram, mais uma vez, não enfrentar a realidade e empurrar mais uma crise com a barriga. A mensagem era pela insatisfação geral contra tudo que sabemos que há de errado no Brasil, que já caiu de maduro e que já gritava por mudanças há muito tempo: o desemprego (!), a inflação, a violência machista contra as mulheres, a violência racista contra os negros, os desastres ambientais, a falta de serviços públicos de educação, de saúde e de segurança, o descalabro do sistema tributário e dos tributos excessivos, o sistema político-eleitoral, a corrupção, a crescente dívida pública, a falida democracia representativa etc etc.

Acho que a situação é fruto do afastamento e da total desconexão do PT com a sociedade, da incompetência administrativa/gerencial, da desagregação dos fundamentos econômicos, da proposital construção de uma demência governista, do isolamento político, da corrupção comprovada e formalizada pela Operação Lava Jato e pelo consequente desastre anunciado. Particularmente, prefiro resumir a ópera com um famoso dito popular: “Quem semeia o vento, colhe tempestade”.

Eu assisti, pessoalmente, o ex-ministro Mantega dar entrevistas coletivas sobre magníficos projetos econômicos e ao ser questionado por jornalistas, não saber a resposta e ficar calado, esperando o assopro do ex-secretário do Tesouro Nacional (que foi meu ex-professor de marxismo no DAECA/UFRGS) para saber a resposta. Isso, a mídia golpista filmou, mas não divulgou no Jornal Nacional.

Eu assisti, constrangido, às ingerências nas contratações, nas licitações e ao tráfico de influência atuando em Brasília. Quando soube que o meu ex-colega, assessor de controle interno do MEC, havia sido preso e era da equipe da namorada do Lula, caiu a ficha.

Eu dou este testemunho e tenho certeza que a luta pela corrupção é uma luta de importância estratégica, dura e longa, extenuante, e que deve abarcar toda a sociedade, todas as instâncias, todos os partidos e todas as famílias. E, digo: “Fora, todos os corruptos!”

Mas, surgem os óbvios, sarcásticos e impertinentes questionamentos: “A corrupção não é de agora, é de sempre. E os outros políticos e partidos, igualmente descompromissados com as demandas da sociedade e envolvidos em tantos, ou mais e maiores, escândalos? Serão eles a solução para o caos instaurado?”

Inocente, sabe de nada. Ou, oportunamente, não quer saber/entender o que está acontecendo. E, malandramente, tenta falsear a realidade e o raciocínio, para se eximir das responsabilidades e das suas culpas, relembrando que os outros também cometeram malfeitos, e devem ser culpados pelos mesmos crimes. Então, repito: “Fora, todos os corruptos!”

Mas não querem ou não conseguem entender que a revolta não é específica contra o PT, é uma repulsa generalizada com o status-quo das estruturas políticas brasileiras. Entretanto, o PT vai pagar, agora, por ser o “Judas” do momento, por ser o primeiro da fila e por estarem gravadas na memória recente da sociedade as promessas, as mentiras, a pilhagem dos cofres públicos e a crise generalizada.

Todos sabemos que o maniqueísmo entre esquerda e direita não existe mais, a dicotomia entre bons e maus também não, a artificial divisão entre sunitas e xiitas não convence mais. É uma abordagem inócua, defasada da complexidade dos problemas e das decisões a serem tomadas. A sociedade cansou e amadureceu, não aceita raciocínios simplistas e mistificadores, trocou de óculos e, agora, enxerga todos os 50 tons de cinza (rsrsrs).

Caiu o véu de Maya, não há espaço para os discursos manipuladores e alienantes. Finalmente, “a casa caiu”.

E, tenho certeza, não há que se falar em golpe. Não há que se falar em elites e mídia golpista. As forças conservadoras sempre existiram e todos sabem o seu “script”. Situação e oposição vivem de golpes e de saídas constitucionais. E, da corrupção. E, dê-lhe corrupção. Só na Petrobrás foram mais de 30 bilhões de reais nos últimos 13 anos. Fora os fundos de pensão das estatais etc, etc. Parece que todos os partidos e políticos são farinha do mesmo saco. Ninguém teve a coragem necessária para promover as mudanças necessárias. Nem “o cara”, nem o “pixuleco”, nem o “ocultador de patrimônio”. Mas esse era o papel proposto e aprovado pela sociedade. Daí, vem a frustração com o PT. O velho esquema continuou intacto e, talvez, tenha sido aperfeiçoado e levado aos limites da insensatez e da certeza da impunidade. As empreiteiras apresentam listas com generosas contribuições para todos os partidos e para todos os apelidos. Ninguém se salva. Talvez o PSTU e a Luciana Genro, ainda não constem das listagens. Então, repito, mais uma vez: “Fora, todos os corruptos!”

Contudo, as elites de olhos azuis só conseguiram se organizar, para tentar aniquilar os sonhos dos movimentos de esquerda e para reduzir direitos sociais e constitucionais, graças aos 13 anos do governo de esquerda do PT que, não entende, mas foi o principal responsável por criar as condicionantes para tal situação. Deixou o campo arado para ser semeado, inclusive com propostas estapafúrdias de um golpe militar. Mas, é tudo muito claro, é tudo muito simples, é pura dialética marxista aplicada na prática, são as próprias contradições internas da sociedade, e do modo de produção, que vão criando os germes da mudança, da revolução. Esta será a “herança maldita” do PT!... E, o PT deve assumir a sua culpa e os pecados capitais cometidos, ou será o seu extermínio, a sua extinção. Vai queimar no mármore do inferno (rsrsrs). E, pergunto: “Qual será o futuro das esquerdas e dos seus discursos, face à desmoralização promovida pelo PT”?

Sabemos que o sistema político-eleitoral vigente está viciado, esgotado e, por isso mesmo, não devemos cair na irresponsabilidade, no antagonismo e na desunião provocada pela radicalização dos discursos político-partidários, que não tentam esclarecer, mas atrapalhar o correto discernimento do que está acontecendo, confundir, ou como diz o velho ditado: “alienar e... dividir, para governar”.

No momento, é fundamental que possamos exercer a autocrítica, aceitar a divergência e esquecer as caducas estruturas partidárias. Mas principalmente, não podemos adotar o discurso mais fácil, para nos eximir da responsabilidade, e só culpar o outro, por não ser do nosso partido. Todos nós já fomos petistas, agora, não mais. Entretanto, o momento é de diálogo, franco, amplo e irrestrito, e de entendimento. Devemos agir com respeito e independência dos interesses e das paixões ideológicas, dos mitos e da opinião dos outros, ou do que tínhamos como certezas absolutas, até ontem. Temos que aprender a sermos nós mesmos. Com todos os nossos direitos e todos os nossos deveres. Com todos os nossos defeitos e todas as nossas qualidades.

Contudo, fundamentalmente, devemos reaprender a dialogar. Mas que seja um diálogo verdadeiro e sincero, sem desonestidades intelectuais e sem ideias pré-concebidas. Um diálogo onde possamos construir um futuro. E que este futuro possa ser melhor do que o presente, ou que os últimos 500 anos. Um diálogo em que possamos avançar a democracia.

Pois, o diálogo é a única escola da democracia.


Brasília/DF, 27 de março de 2016.