O Brasil passa por um período de transição, de
questionamentos, de renovação e, provavelmente, por uma “destruição criativa”, onde
devemos superar os limites e as contenções existentes, de modo a alcançarmos um
patamar superior de funcionamento da nossa democracia.
Mas esse processo de mudanças e de desconstrução deve ser
entendido como um período de aprendizado e de reciclagem pessoal e social, onde
devemos voltar à escola (poderia chamar de escola da democracia) para reaprendermos
a pensar, para adotarmos novos modelos mentais e para reaprendermos a ser mais responsáveis,
solidários, respeitosos, cooperativos. E, sobretudo, entendermos que somente
pela reeducação e pelo intenso diálogo será possível ampliarmos as nossas
possibilidades de fortalecimento da nossa novata democracia e de promovermos as
esperadas melhorias sociais e econômicas na sociedade brasileira.
Com certeza, será um período de dificuldades, de muito
ranger de dentes, de muita radicalização e de muita incompreensão. Mas, eu sou
otimista. Nós temos que ser otimistas. E, posso garantir que não devemos temer
as mudanças ou o futuro, pois estas irmãs-históricas são constantes e inevitáveis.
O momento é delicado e nebuloso, pois o futuro é incerto. Para
criarmos um novo Brasil, precisamos de muito esforço, de muita compreensão e de
muito diálogo. Entendo que alguns retrocessos já se consolidaram, por mérito da
incompetência política-econômica-administrativa do governo federal (nesse
momento, querer equilibrar as contas públicas com o aumento de impostos e
ressuscitar a CPMF é um desaforo à sociedade). Entretanto, outros e maiores
retrocessos sociais estão sendo planejados, projetados e podem, infelizmente,
ser viabilizados. Vai depender dos próximos lances do xadrez político.
Eu acredito que, a partir da negação dos atuais partidos
políticos, por parte expressiva da sociedade (principalmente do PT, por estar
ocupando o Poder Executivo), e da constatação da corrupção como sendo o problema
prioritário a ser equacionado e controlado, possamos construir os necessários
consensos para organizarmos uma sociedade mais justa e democrática e onde haja
uma necessária elevação da transparência dos gastos e da qualidade dos serviços
públicos.
Estamos vivenciando um momento ímpar, de transformação e de
transmutação (do ferro para o ouro ou, conforme outra crença, da água para o
vinho) e o símbolo dessa mudança é a execração pública do Partido dos
Trabalhadores ou, conforme outra religião, a crucificação de um Judas traidor
(sic). Não que seja certo, ou justo, ou uma vingança, como me disse uma petista
ortodoxa (que eu não acredito estivesse cega pela fé ou pelos dogmas
ideológicos, mas desesperada pela ruína de um sonho, por ver esfareladas as
suas certezas e justas convicções, acalentadas por um longo tempo de sua vida).
Mas, acho que o PT fez por merecer, em função do partido ter exagerado na dose
das mentiras e na traição da classe trabalhadora e de todos os ex-petistas,
conforme exposto a seguir.
O PT chegou ao poder como uma esperança, como um raio de sol
que iria desinfetar o país da corrupção, espantar o medo de sermos felizes e livrar
a sociedade das suas enormes desigualdades sociais. O PT chegou ao trono do
Poder Executivo para podermos construir uma nação livre da antiquada forma de
se fazer política, dos conchavos e das articulações que só beneficiavam as
elites e reforçavam a manutenção da atual e perniciosa aliança entre o capital
e o Estado.
Para mim, a grande mentira do PT foi dita durante a campanha
pela reeleição da presidente Dilma (em meados de 2014), quando afirmou que não iria
reduzir nenhum dos direitos trabalhistas, “nem que a vaca tussa”. Entretanto,
alguns meses depois, o governo cortou R$ 18 bilhões em benefícios do
trabalhador, aumentou o tempo de trabalho para requerer o seguro-desemprego
(com redução do valor do benefício), aumentou o prazo do pagamento do
auxílio-doença e restringiu as solicitações de pensão por morte. Tudo isso, apesar
de se intitular um partido dos trabalhadores e se proclamar como o único
defensor dos frascos e dos comprimidos (rsrsrs), digo, dos fracos e oprimidos. Para mim,
esse foi o crime mais grave, que alguns chamam de fraude eleitoral. Mas os
crimes não começaram, nem acabaram, por aí.
Fomos enganados e os fantásticos e inflamados discursos se
revelaram palavras escritas na areia, palavras ao vento, frutos do marketing
político, elaborados para enganar os bobos e sem contemplar nenhuma
possibilidade de atender às reais intenções de justiça e de redistribuição de
renda da população.
O que a população escuta, vê e cheira é um governo e um
partido que esqueceram das lutas dos trabalhadores, dos ideais socialistas e da
construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
O que se sabe é que nunca na história deste país se viu
tanta corrupção e tantos empreiteiros, banqueiros, políticos conservadores e
empresários amigos do BNDES serem beneficiados de forma espúria e de tantos
escândalos e enriquecimentos ilícitos nas hostes dos militantes petistas.
Era como se o flautista de Hamelin estivesse tocando o
mantra do Maluf: “rouba, mas faz”, ou a sua tosca e hodierna adaptação petista:
“rouba dos cofres públicos, mas ajuda os mais pobres, humildes e desvalidos”.
Um argumento forte, e aparentemente robusto, que poderia ser
repetido pelos fanáticos fiéis de qualquer seita religiosa, mas que em sua
essência é perturbador e profundamente falacioso, mentiroso e alienante, que
tenta falsear a lógica e o bom senso e tenta dar justificação e legitimidade à
corrupção, construída em proporções nunca antes vista neste país. E, onde deixava
gravado na pedra que o PT acreditava que os princípios éticos e morais podem
ser distorcidos e torturados, a fim de provar aos parvos que os fins justificam
os meios.
Nunca, jamais, um sonho ou um nobre ideal, podem ser alcançados
por intermédio do engodo, da constância e da veemência dos crimes contra a
administração pública, contra a sociedade ou contra a humanidade. Crime é crime, e a justiça deve ser igual para todos.
A mentira e a corrupção escrachadas foram os pecados do PT,
juntamente pelo afastamento de suas bases, a cooptação dos movimentos sociais (que
propiciou a falta de crítica e da consequente e necessária autocrítica), do distanciamento
dos problemas do dia-a-dia da população, da falta de diálogo e, principalmente,
do discurso da radicalização, do “nós contra eles”, do insistente trabalho para
cavar um fosso entre os brasileiros, pregando a discórdia e a dissensão.
Portanto, não há que se falar em “guinada ideológica” dos
ex-petistas, mas, como bem disse um ministro do STF, da transformação de um
partido de esquerda em uma organização criminosa.
Mas, o PT também errou, grosseiramente, por não ter
entendido, lá em 2013, o significado das manifestações de rua que avisavam: “Não
é pelo vinte centavos!”. A mensagem era clara e podia ser ouvida em claro e bom
som. A sociedade gritava a sua mensagem, mas os políticos faziam ouvidos moucos
de mercador e preferiram, mais uma vez, não enfrentar a realidade e empurrar mais
uma crise com a barriga. A mensagem era pela insatisfação geral contra tudo que
sabemos que há de errado no Brasil, que já caiu de maduro e que já gritava por
mudanças há muito tempo: o desemprego (!), a inflação, a violência machista contra
as mulheres, a violência racista contra os negros, os desastres ambientais, a
falta de serviços públicos de educação, de saúde e de segurança, o descalabro
do sistema tributário e dos tributos excessivos, o sistema político-eleitoral,
a corrupção, a crescente dívida pública, a falida democracia representativa etc
etc.
Acho que a situação é fruto do afastamento e da total desconexão
do PT com a sociedade, da incompetência administrativa/gerencial, da
desagregação dos fundamentos econômicos, da proposital construção de uma
demência governista, do isolamento político, da corrupção comprovada e
formalizada pela Operação Lava Jato e pelo consequente desastre anunciado.
Particularmente, prefiro resumir a ópera com um famoso dito popular: “Quem
semeia o vento, colhe tempestade”.
Eu assisti, pessoalmente, o ex-ministro Mantega dar
entrevistas coletivas sobre magníficos projetos econômicos e ao ser questionado
por jornalistas, não saber a resposta e ficar calado, esperando o assopro do
ex-secretário do Tesouro Nacional (que foi meu ex-professor de marxismo no
DAECA/UFRGS) para saber a resposta. Isso, a mídia golpista filmou, mas não
divulgou no Jornal Nacional.
Eu assisti, constrangido, às ingerências nas contratações,
nas licitações e ao tráfico de influência atuando em Brasília. Quando soube
que o meu ex-colega, assessor de controle interno do MEC, havia sido preso e era
da equipe da namorada do Lula, caiu a ficha.
Eu dou este testemunho e tenho certeza que a luta pela
corrupção é uma luta de importância estratégica, dura e longa, extenuante, e que
deve abarcar toda a sociedade, todas as instâncias, todos os partidos e todas as
famílias. E, digo: “Fora, todos os corruptos!”
Mas, surgem os óbvios, sarcásticos e impertinentes questionamentos:
“A corrupção não é de agora, é de sempre. E os outros políticos e partidos,
igualmente descompromissados com as demandas da sociedade e envolvidos em
tantos, ou mais e maiores, escândalos? Serão eles a solução para o caos
instaurado?”
Inocente, sabe de nada. Ou, oportunamente, não quer
saber/entender o que está acontecendo. E, malandramente, tenta falsear a
realidade e o raciocínio, para se eximir das responsabilidades e das suas culpas,
relembrando que os outros também cometeram malfeitos, e devem ser culpados
pelos mesmos crimes. Então, repito: “Fora, todos os corruptos!”
Mas não querem ou não conseguem entender que a revolta não é
específica contra o PT, é uma repulsa generalizada com o status-quo das
estruturas políticas brasileiras. Entretanto, o PT vai pagar, agora, por ser o
“Judas” do momento, por ser o primeiro da fila e por estarem gravadas na
memória recente da sociedade as promessas, as mentiras, a pilhagem dos cofres
públicos e a crise generalizada.
Todos sabemos que o maniqueísmo entre esquerda e direita não
existe mais, a dicotomia entre bons e maus também não, a artificial divisão
entre sunitas e xiitas não convence mais. É uma abordagem inócua, defasada da
complexidade dos problemas e das decisões a serem tomadas. A sociedade cansou e
amadureceu, não aceita raciocínios simplistas e mistificadores, trocou de óculos
e, agora, enxerga todos os 50 tons de cinza (rsrsrs).
Caiu o véu de Maya, não há espaço para os discursos
manipuladores e alienantes. Finalmente, “a casa caiu”.
E, tenho certeza, não há que se falar em golpe. Não há que
se falar em elites e mídia golpista. As forças conservadoras sempre existiram e
todos sabem o seu “script”. Situação e oposição vivem de golpes e de saídas
constitucionais. E, da corrupção. E, dê-lhe corrupção. Só na Petrobrás foram
mais de 30 bilhões de reais nos últimos 13 anos. Fora os fundos de pensão das
estatais etc, etc. Parece que todos os partidos e políticos são farinha do
mesmo saco. Ninguém teve a coragem necessária para promover as mudanças
necessárias. Nem “o cara”, nem o “pixuleco”, nem o “ocultador de patrimônio”. Mas
esse era o papel proposto e aprovado pela sociedade. Daí, vem a frustração com
o PT. O velho esquema continuou intacto e, talvez, tenha sido aperfeiçoado e
levado aos limites da insensatez e da certeza da impunidade. As empreiteiras
apresentam listas com generosas contribuições para todos os partidos e para
todos os apelidos. Ninguém se salva. Talvez o PSTU e a Luciana Genro, ainda não
constem das listagens. Então, repito, mais uma vez: “Fora, todos os corruptos!”
Contudo, as elites de olhos azuis só conseguiram se
organizar, para tentar aniquilar os sonhos dos movimentos de esquerda e para reduzir
direitos sociais e constitucionais, graças aos 13 anos do governo de esquerda
do PT que, não entende, mas foi o principal responsável por criar as
condicionantes para tal situação. Deixou o campo arado para ser semeado,
inclusive com propostas estapafúrdias de um golpe militar. Mas, é tudo muito claro,
é tudo muito simples, é pura dialética marxista aplicada na prática, são as próprias
contradições internas da sociedade, e do modo de produção, que vão criando os
germes da mudança, da revolução. Esta será a “herança maldita” do PT!... E, o
PT deve assumir a sua culpa e os pecados capitais cometidos, ou será o seu
extermínio, a sua extinção. Vai queimar no mármore do inferno (rsrsrs). E,
pergunto: “Qual será o futuro das esquerdas e dos seus discursos, face à
desmoralização promovida pelo PT”?
Sabemos que o sistema político-eleitoral vigente está
viciado, esgotado e, por isso mesmo, não devemos cair na irresponsabilidade, no
antagonismo e na desunião provocada pela radicalização dos discursos
político-partidários, que não tentam esclarecer, mas atrapalhar o correto
discernimento do que está acontecendo, confundir, ou como diz o velho ditado: “alienar
e... dividir, para governar”.
No momento, é fundamental que possamos exercer a
autocrítica, aceitar a divergência e esquecer as caducas estruturas
partidárias. Mas principalmente, não podemos adotar o discurso mais fácil, para
nos eximir da responsabilidade, e só culpar o outro, por não ser do nosso
partido. Todos nós já fomos petistas, agora, não mais. Entretanto, o momento é
de diálogo, franco, amplo e irrestrito, e de entendimento. Devemos agir com
respeito e independência dos interesses e das paixões ideológicas, dos mitos e
da opinião dos outros, ou do que tínhamos como certezas absolutas, até ontem.
Temos que aprender a sermos nós mesmos. Com todos os nossos direitos e todos
os nossos deveres. Com todos os nossos defeitos e todas as nossas qualidades.
Contudo, fundamentalmente, devemos reaprender a dialogar.
Mas que seja um diálogo verdadeiro e sincero, sem desonestidades intelectuais e
sem ideias pré-concebidas. Um diálogo onde possamos construir um futuro. E que
este futuro possa ser melhor do que o presente, ou que os últimos 500 anos. Um
diálogo em que possamos avançar a democracia.
Pois, o diálogo é a única escola da democracia.
Brasília/DF, 27 de
março de 2016.